sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Rochedo intransponível

Li esta coluna no Jornal Estado de Minas e lembrei de nossos personagens, de nós, de muita gente...

"As pessoas têm medo da solidão e fogem dela como o diabo da cruz. Poucas a apreciam, mais raras as que se julgam boa companhia para si mesmas"

Regina Teixeira da Costa - reginacosta@uaivip.com.br

A música é ridícula, um debochado vídeo do Youtube, e deixa uma frase boba martelando no ar: ado-ado-ado, cada um no seu quadrado! Dançando em um quadrado colorido no chão, o limite de cada um é intransponível. Acatar esse limite faria a vida melhor; no entanto, estamos sempre pulando a cerca e, por isso, damos tantas trombadas. Então, pra você não acordar com a sensação de que tomaram seu brinquedo, fique atento aos limites. As pessoas têm medo da solidão e fogem dela como o diabo da cruz. Poucas apreciam a solidão com prazer, mais raras ainda aquelas que se julgam boa companhia para si mesmas. Assim, na presença de outras, falam e trocam palavras desnecessárias para resolver o problema. As palavras formam laços entre pessoas e sabemos disso desde que aprendemos a pronunciar as primeiras. Portanto, pensamos que falar é sair da solidão. Uma criança no escuro pede à tia para dizer alguma coisa, a tia então lhe pergunta de que adianta falar se não pode vê-la. Ela responde: quando ouço sua voz é como se a luz acendesse. Esse relato do próprio Freud não inclui as palavras que ferem, e elas existem. Relacionar é difícil mesmo. Tem muita gente que se pudesse jogava a toalha e desistia. Felizmente, os insistentes continuam buscando a convivência, mesmo das mais atrapalhadas formas. E suportam suas próprias trapalhadas com maior leveza. Uma das coisas mais constrangedoras entre pessoas é que, em nome do amor, elas se chantageiam, se machucam, se privam da liberdade, se invadem. Em nome do amor se acham no direito de cobrar do outro compensações pelo que tiveram ou não tiveram. Cobram que o outro as compense por uma falha do passado, da família, da infância. Concessões poderiam recompensar um passado doloroso? Diga-me quem nunca teve no passado alguma dor. Quem não teve problemas na família. Para isso não há remédio e nada apaga. Nem o maior sacrifício de seu parceiro pode apagar uma rejeição, abandono ou trauma. Afinal, todos têm problemas. Depois de tudo o que percorremos para ser adultos, é preciso dizer não para dores passadas. Chorar pelo que papai e mamãe fizeram ou deixaram de fazer não muda a vida. É preciso encerrar capítulos, simbolicamente claro, para não cair em repetições, e encontrar o novo. Cobrar do companheiro ou companheira, dos amigos e até mesmo da família o que quer que seja pelo que passou causando dor e sofrimento é pedir sacrifícios. É usar o peso da própria história, tornando o outro culpado e permanecendo no lugar da vítima, acreditando que é possível aliviar, compartilhar ou compensar alguém pelo real, usando o passado para barganhar, condicionando o outro a ceder às suas vontades. De fato, é difícil admitir que há um rochedo chamado castração. E dele ninguém passa: é intransponível. Livrar-se dele é não suportar contrariedades, é controlar, vigiar, exigir do outro abnegação, porque deixá-lo livre é ameaçador. Age-se com astúcia cobrando uma solidariedade que não se tem. Quem se coloca como vítima acusa o outro por sua infelicidade, mas não sabe se responsabilizar por ela. Equívoco, tão fatal quanto freqüente, que traz prejuízos incalculáveis. Por isso casamentos e amizades desfeitos, e muitas outras perdas ocorrem! É possível manipular, mas isso tem prazo de validade; com o tempo, quem se abandona em favor do outro um dia acorda e a resposta é a hostilidade, a indiferença, o rancor e outro abandono. A repetição, recurso importante da neurose, é provocar o que mais se teme. Se fui abandonado, me ressinto, tenho medo, cobro caro e provoco uma situação insuportável que culmina noutro abandono. Trata-se de uma repetição da qual não se tem consciência. O ressentimento pela vida e pelos percalços a que ela te conduziu é de fato motivo pra tratamento. A vida não tem nada a ver com isso. É a própria pessoa que constrói seu calvário, perseguindo provar que é vítima do outro. Olegário, personagem rodriguiano, perdeu a vida fingindo-se paralítico impotente, espionando a esposa, buscando comprovar uma traição ao mesmo tempo temida e ansiada, para assim provar que todas as mulheres são umas prostitutas! Amir Klink, no livro Cem dias entre céu e mar, conta suas aventuras a bordo do IAT, barco a remo no qual atravessou o oceano Atlântico. Partiu da África, despediu-se dos muitos amigos que o cercavam e estava com medo, muito medo. Preferiu se calar sobre isso e se sentiu muito só. Descobriu então que a solidão independe da distância entre as pessoas, pois ali estava entre muitas. Algumas coisas não podem ser compartilhadas, são apenas suas e é aí que vale lembrar que devemos viver, apesar de juntos, cada um no seu quadrado.

Para começar a recomeçar

O ano mal começou e estamos há poucos dias de retornar à sala de ensaios. Um curto período para reencontrar Júlio e Irene e seus sonhos. Um sonho repaginado, refeito com o olhar mais “cirúrgico” de Adélia. Surgem novas questões. Como é a nova peça? Como desvencilhar, limpar o corpo do que ela era? Ou melhor, como aproveitar melhor “o corpo anterior” a favor deste? O que é apego às idéias ou de fato desejo de manter um elemento importante à cena? Difícil saber. Por enquanto, são só perguntas e uma vontade enorme de fazer. Retomar para crescer, fluir e ser leve!
Um 2009 calmo, em meio às crises anunciadas, para todos nós!

Nadando contra a maré

“Bem vindo à São Paulo!”. Seria uma frase formal, qualquer, senão fosse irônica. Logo em minha primeira incursão pelos centros comerciais da cidade fiquei ilhado, melhor dizendo, ficamos ilhados eu e o nosso consultor de arte, Renato Boelli Rebouças. E foi essa frase que escutei ao (tentar) sair de um brechó no Bom Retiro. A cena era de telejornal: uma rua inundada, com a água chegando até a borda das portas das lojas.
Todos pareciam estar acostumados à situação. Menos eu. Como é ficar em um lugar em que não se pode nem pensar em uma previsão de saída? Agora penso que Irene talvez sinta o mesmo em um “sonho sonhado” juntos, ela e Júlio, cada um ao seu modo.
Estávamos à procura de uma nova camisa para Júlio. E no caminho de volta conversamos sobre tudo . Um caminho desconfigurado por árvores caídas e um trânsito estático - ah, essa é nova em SP! Inclusive sobre como estamos impregnados da obra que criamos e como ela é feita de nossas partes. Hoje ouvi que Fellini dizia que toda arte é autobiográfica. Havia uma frase, que gostaria muito que entrasse nesta peça: “Tudo aqui é estritamente autobiográfico”. Aliás, seria a primeira. Assim, o espectador entraria em um espaço onde quem é o ator e quem é o personagem, a ficção da história e a realidade da história de vida do artista são um espaço sem limites definidos. Não importa. Mas tudo se modifica e a gente vai percebendo que a obra tem seu rumo, seu caminho e que a intuição ajuda, mas não demarca o caminho.
Hoje me lembro do dia em que fomos até o Teatro Municipal de Nova Lima. Éramos acompanhados por (Guilherme) Bonfanti, Bel (Stewart), Chico Magalhães e Edimar (Pinto) fazer um primeiro estudo de luz. Como era tudo ao mesmo tempo agora e Rita e eu éramos quase todos da equipe, de repente nos deparamos com o fato de estar com o texto em mãos, ainda por decorar. Como elaborar o desenho de luz de uma cena em que o ator ainda memoriza o roteiro? Imagino que certamente isso passou pela cabeça de Bonfanti, que mal acabava de nos conhecer! O caos do momento, o contra tempo de tudo deu espaço para acolher as propostas mais encaminhadas, fazendo com que nossa experiência nos guiasse rumo àquilo que queríamos.

rita

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ensaio

paulo

paulo
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ESTRÉIA

5 de agosto, às 20h, no Teatro Alterosa
Únicas apresentações: 12,19 e 26 de agosto, todas Terças-feiras do mês, sempre às 20 horas.
Info: 3237-6611

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