Hoje encontrei uma grávida. “Estou na décima segunda semana”, disse.
Fiquei olhando pra uma barriga ainda sem nenhum vestígio de que uma “cria” estava ali. Fiquei olhando bem, não só pela beleza impressionante da nova mãe. Também. Mas por que pensei na minha barriga, na minha cria. Estou grávido. Ela es-tá grávida. É um momento.
Durante as semanas em que estou em gestação de uma obra também me sinto muito assim. Às vezes, durante a montagem de uma peça, temos vários tipos de gravidez: de elefante a coelho, varia de acordo com todo o “ambiente”. E aí, você analisa se existe uma estrutura (lê-se verba mesmo); data para o parto (reza a lenda nos bastidores que todos precisam de, no mínimo, mais quinze dias antes da cesária ou fórceps – Parto normal? Raríssimo!); e outros tantos fatores que não vem ao caso agora.
Como uma futura mãe, não existe o turno ou período em que você se dedica exclusivamente a conceber. Existem artistas que andam pela rua concebendo; conversam concebendo; deprimem concebendo; transam concebendo (acredita?). É um estado por turno/tempo indeterminado num prazo estipulado.
No início do projeto, você acorda e pensa que vai acordar, tomar o café e pensa em fazer coisas banais (e primordiais) na manhã. Almoça e vai para o ensaio. Aqui vale um parêntesis: esta etapa acontece depois de longuíssimas e muitíssimas reuniões e mais reuniões que não estão contabilizadas em nenhuma planilha de orçamento e que fazem familiares, amigos e, possíveis, parceiros, repensarem a relação. E questionam: será que tanta reunião dá dinheiro? Pensam até que somos mais finos. Não é raro ouvir: “Gente importa tem sempre agenda lotada, né?”. Mas “finos” é uma palavra que, convenhamos, combina mais com outros universos. Uma pessoa fina mes-mo não liga para o motoboy, não passa no depósito de construção para comprar um cano PVC para o teste do cenário, não pede bandejas de ovos pelas vizinhas dos pais; e, depois disso tudo, ainda sai correndo pra colocar um terno e sapato social para pedir patrocínio no Palácio do Aécio! Definitivamente, a pessoa fina deve fazer somente a última coisa, sem pressa, sem medo de suar no “traje completo”.
Seria ótimo se, depois disso tudo, se existisse um... Teste! Sim, um teste que dissesse se você está gerando (ou não) uma obra artística! Vem o momento da ul-tra-so-no-gra-fia e lá está ele/ela: visível! É de verdade! Nós, enquanto criamos, tentamos ver também pelo ultra-croqui, ultra-roteiro (que muda a cada ensaio), ultra-teste-de-figurino e por aí vai.
E, de repente, tudo muda na sua cabeça: o que era apenas um turno se torna quatro. “Mas o dia tem apenas três?”, você pergunta. Eu digo: “Não, não, não e não”. Em um projeto em que você assume outras funções (direção, roteiro e produção, além de acompanhar todas as etapas de criação com artistas parceiros - Salvem os parceiros!), sua cabeça acorda dividida em vários papéis, personagens que se revezam o dia todo e à noite. Nada de repouso: você dorme e sonha com o roteiro e as cenas! Sim! Os psicanalistas têm razão: os sonhos são janelas do inconsciente e não dá pra perder certas oportunidades na hora de compor e pensar uma cena! Quase me esqueci da razão disso tudo: também atuamos.
Como o tempo urge e acabo de sair do banho (não há pausa) pensando neste texto e outros que poderão ser vistos em cena (ou não, como a maioria), por hoje é só, pessoal!
Ah, tudo aqui é estritamente autobiográfico...
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Eles me chocam (e me alimentam na vida, em especial, neste trabalho):
Eles me chocam (e me alimentam na vida, em especial, neste trabalho):
➢ Pina Bausch
➢ DV8 Physical Theatre
➢ Kazuo Ohno
➢ Coco & Rosie
➢ Júlio Cortázar
➢ Alain de Botton
➢ Felisberto Hernandez
➢ David Linch
➢ Inhotim
➢ Dojô En
➢ Padaria Pão da Serra
➢ Shirley Paes Leme
➢ Michael Haneke
➢ Al Berto
➢ Steve Paxton e Lisa Nelson
➢ Carmela Gross
➢ Huong Kar Wai
➢ Anton Tchekov
➢ Kim Ki Duk
➢ Sandra Cinto
Quem te choca e te alimenta?
➢ Pina Bausch
➢ DV8 Physical Theatre
➢ Kazuo Ohno
➢ Coco & Rosie
➢ Júlio Cortázar
➢ Alain de Botton
➢ Felisberto Hernandez
➢ David Linch
➢ Inhotim
➢ Dojô En
➢ Padaria Pão da Serra
➢ Shirley Paes Leme
➢ Michael Haneke
➢ Al Berto
➢ Steve Paxton e Lisa Nelson
➢ Carmela Gross
➢ Huong Kar Wai
➢ Anton Tchekov
➢ Kim Ki Duk
➢ Sandra Cinto
Quem te choca e te alimenta?
“O ovo ou a galinha?”
“O ovo ou a galinha?”
O que você vai ler abaixo são fragmentos de apenas alguns das dezenas de e-mails trocados entre integrantes da nossa equipe de criadores desde o ano passado (quando começou o projeto). É curioso perceber que o turbilhão inicial gerou várias formas, imagens, caminhos que, aos poucos, se estreitam e geram a peça que você vai ver, em breve. O que vem primeiro: a peça ou as idéias sobre ela?
Como este blog foi “chocado” depois da idéia (ou ele veio antes?), aos poucos, vamos tentar “alimentar” esta “incubadora” para que você acompanhe alguns passos do nosso percurso deste novo trabalho.
RITA CLEMENTE PARA PAULO AZEVEDO
- Teremos tempo para desenvolver um trabalho sem texto inicial? Os detalhes (já sabemos), são o mais importante e o que leva mais tempo. Não quero fazer um processo que não eleve nosso trabalho. De qualquer forma o que temos é isso: sua dramaturgia (“Resta Um” – texto inédito) e uma idéia ainda sem forma com algumas imagens que parecem muito interessantes, mas não são claras ainda. Não clara de entendimento lógico, não é isso, mas de proposição e conceito. Paulo, não podemos fugir de “conceito”.
- Ainda acho que precisamos achar o “eixo” desse processo. Tô tentando encontrar uma coisa na nossa parceria: legitimidade. Ela já existe subjetivamente. Ela existe por que o desejo de realizar é comum. Eu ainda não tô entendendo na prática. Às vezes acho que estamos sendo sofisticados demais e aí eu pensei como realizar um desejo que está se tornando uma necessidade:
- O que a gente quer?
- O que é necessário para isso acontecer com excelência que pretendemos?
- O que temos para “oferecer” das nossas experiências, da nossa capacidade etc?
- O quando é muito importante?
- O onde é muito importante?
- O “o quê” agora é muito importante?
- Fiquei pensando que se o “o quê” é muito importante e se o “o quê” é o assunto, a história. Se for apenas uma sinopse é importante apenas como ponto de partida. Se é uma obra literária com contornos muito bem estabelecidos é uma escolha importante, se é um resgate biográfico já deixa de ser obra acabada e literária... Fico aí com as perguntas pra levantar nosso diálogo e achar caminho sem obstáculos.
- Este “sol” (a passagem do Theâtre Du Soleil e seu “Os Efêmeros”, em São Paulo) que se abateu sobre nós me aqueceu muito e acho que é um bom momento de rever posições: sobre atuação, direção, relação com o público... Nem tudo ali me interessa mas aquilo que me interessa é muito urgente. Sinceramente, acho que ator tem que ter autonomia mesmo, senão não dá para ver a cena e o diretor fica assim tentando limpar a “caca” dos atores. Cansei! Como diretora acho que fiquei muito tempo me atendo ao ator e a cena fica em segundo plano, é um erro... Mas nossos atores querem uma babá, não é nem uma mãe, querem uma babá por que não conseguem fazer o básico - trocar as fraldas. Estou “exausta” (já dizia Dudude quando viu um espetáculo) de dirigir gente problemática - tenho uma lista, um caderninho cheio de atores-criança que precisam de uma babá - você escapou por pouco dessa lista porque cresceu, se superou e parou de achar que o diretor ia te dar a solução. Li o programa do Soleil (Theâtre Du Soleil) e vi que muita das coisas que se diz sobre o processo deles a gente já sabe. Quantas vezes não falo num ensaio ou nos meus cursos: “Não quero idéia, quero coisa, a cena, o concreto”. As pessoas acham que tem grandes idéias e não conseguem “andar”, mas já tem grandes idéias, isso quando não se embrulham com justificativas psicológicas... Ufa! Enfim, estou identificada com essas pessoas, com seu lindo espetáculo. A gente sabe o tanto que Ariane (Mnouchikine) penou pra poder abrir a boca e ser entendida, mas acho que não quero passar os próximos vinte anos ensinando ator a me entender. Daqui pra frente - se eu dirigir mais alguma “coisa” - quero que o ator que me ensine e eu possa com ele criar alguma coisa que vai além de sentar, levantar, correr pelo espaço. Fiquei mais respeitosa com meu trabalho depois que vi esse - que continua “girando” na minha cabeça. Ele me fez pensar no meu trajeto. Pensar que eu fiz um caminho digno e brilhante na minha carreira e que agora eu quero revertê-lo a meu favor. Fiquei refletindo no porque de “quase todo mundo” querer ser ator: isso me inquieta. Não acho que eu tenho mais direito de ser atriz do que outra pessoa, mas porque tanta insistência? Não quero ser mais uma insistente...
Tudo isso é pra te dizer que qualquer imersão como ator tem que ser profunda, senão a gente fica só fazendo mais uma pecinha pros coleguinhas de trabalho. Não quero isso. Chega por hoje.
- Suas inquietações não são bobagens são perguntas muito importantes que vão tornando a coisa real. Pergunte sempre e pergunte o que quiser, mesmo. Olha, tô com a vontade de fazer um trabalho junto. Penso sempre que tem duas coisas diferentes: parceria e trabalho pessoal. Acho que o pessoal é pessoal mesmo e ainda não tenho condições de envolver outras pessoas nele - acho que ele amadurece com minhas parcerias e reverbera nas parcerias. O meu interesse, nesse momento, é trocar. Tem uma solidão no trabalho “pessoal” que também precisa de trégua. Mas para a parceria a gente precisa de um norte inicial que deve ser o texto, conto, dramaturgo, diretor, algo além de nós. Acho que esse projeto é pra gente ter um espaço para ser ator mesmo criando juntos. Penso que a criação - concepção mais autoral - é uma coisa natural no ator de hoje, mas que se a gente se encaixar com um diretor e ele propor coisas da autoria dele, nos jogamos na idéia e pronto, sem discussão. De qualquer maneira quero experimentar mais a cena sem ter que pensar como se estivesse do lado de fora, é um desejo muito forte. O meu objetivo é trabalhar com alguém em quem confio, admiro, tenho amizade; com um diretor, diretor de cena, orientador ou sei lá o quê - um cara de fora - e com uma equipe pequena pra gente poder ter um retorno digno e mostrar nosso trabalho da melhor maneira possível (estrutura de trabalho, conteúdo e conceito que sejam do nosso interesse).
Eu vejo assim: tá “na boa hora” pra isso porque a gente já tem ciência das nossas necessidades, de alguns desejos, das qualidades que a gente quer trabalhar, das limitações ou coisas que não são nossa praia... E tá faltando a gente se dar aquela oportunidade... Hora de a gente ser bom com a gente. Não me incomodo em lidar com produção de uma maneira geral, mas acho que podemos tentar um caminho de cuidar bem do ator e cercá-lo o máximo - isso não é luxo; é necessidade.
Algumas coisas, nessa área eu tenho dificuldade real, me sinto numa camisa de força, mas se me ensinarem direitinho, pra eu não errar, sai. Acho também que com dois atores isso é possível: o diálogo é mais claro, mais rápido, sem picuinha, sem curvas. Dois pontos só podem fazer uma reta.
Quero sua opinião, se não for por aí, não tem problema, o que me instiga mais é o trabalho, fazer a peça, ter um coleguinha para trocar; rumar pra frente. Outro dia fiquei até pensando num diretor de cinema... Ou chamar aquela preparadora de atores de cinema (Fátima Toledo) pra fazer uma preparação pra gente - tudo para aproximar, conectar - e ter uma experiência com essa preparação dela que lida com as emoções. Não é isso? Tô jogando as sementinhas que você tanto gosta. Pode me escrever e-mails longos, eu gosto. Sei que você já não é assim tão afeito a contatos virtuais, mas eu acho que funciona para o momento.
- Sobre as proposições cenográfica, acho distante, quero dizer, quando penso cenário penso mesmo ele em mim e num contexto. Minhas relações sensoriais é que me guiam como atriz, fico com medo de ficar de fora demais, não gostaria de fazer um trabalho “conceitual”, um conceito sobre espaço apenas, mesmo que o conceito exista, tem que ter uma figura viva ali. È que a questão da atuação já é tão grandiosa, vasta, repleta de subterfúgios, lugares por visitar...Nós somos pobres, quero dizer, país pobre, mal conseguimos pagar atores, diretores, mas, é claro, a peça não pode cair nesse lugar: falsa simplicidade; falta de recurso. Mas qual é o recurso? Falta de criatividade inclusive, mas ainda não tive uma experiência digna com cenários, com proposições visuais, cenográficas. De qualquer maneira, é fundamental experimentar alguma coisa relacionada ao espaço que sirva de estímulo à criação e que possa abrir caminhos para uma relação renovada com o espaço ou o contexto. Sim, porque a coisa simplória também não me agrada. Mas eu sempre penso nessas horas: um concerto não tem cenário e não é simplório. É simplório o grande pianista tocando? Só ele e o piano? É simplória a exposição de desenhos de Picasso ou a escultura inacabada de outro fulano? Adoro a idéia de um dia ser uma atriz-concertista. Essa é a minha maior vontade. Por isso o “Dias Felizes” (espetáculo concebido, dirigido e interpretado por Rita Clemente – clássico de Samuel Beckett) é um concerto porque é um ator diante do texto como elemento a ser interpretado naquele momento e a cena é somente isso, quando funcionar vai ser ótimo (risos)! Mas veja: se a idéia do "espaço vazio" não pode ser cercada e nem lhe parece atraente, como inserir um elemento cenográfico neste espaço? O que pode nortear essa escolha? Acho que se for algo assim cheio de significado ele vai induzir a um “conceitualismo”? Penso que este estimulo conceitual pode servir pra uma cena curta, mas para um trabalho de 60 minutos, desconfio. Mas se ele surgiu, já há um contexto? Por que pensamos caixa de terra? Por causa da natureza? Por que pensamos tela? Parece moderno? Dá abertura pra criar? Mas teremos o material? Quanto tempo temos? “E agora”?, como diz a Winnie (personagem da obra “Dias Felizes”). Começamos com um roteiro de imagens? Quais são? Somos nossos diretores. Então, a proliferação de elementos externos me dá medo, mas sou uma pessoa corajosa. Acho que agora tá na hora de colocar a mão na massa. Que pensas?
RENATO BOLELLI PARA EQUIPE
“... Pensei sobre a atmosfera que a música sugere (Coco & Rosie), a provocação que ela faz na nossa cabeça. Acho que tem a ver com a idéia do conto que não li (A Casa Tomada, de Júlio Cortazar), mas pelo que me disse, a possibilidade de criar uma situação de desconforto que é nosso desconforto diante de nós, de nossa condição e de nossa inércia para transformá-la. o humano enclausurado e vitimizado pelo próprio humano, nossa falta de sentido aparente, pois, estamos perdidos e distantes da ritualização da vida. No fundo, quando estamos falando de forma e suas conseqüências. Estamos falando de identidade. O que te move como imagem? O que te seduz ou te faz pensar ou ainda agir?
Neste sentido, a música ajuda a construir uma geografia que pode ser sugerida pelo espaço também, como aquelas interferências de som nos sugerem paisagens, declives e aclives, curvas, depressões. O espaço de suspense e o espaço de suspensão. Daí me vem a idéia de indícios, pistas, rastros, "mistério" e as conseqüentes relações desenvolvidas a partir da locação desta situação numa galeria.
- O que é uma galeria? Para que serve? Esta discussão pode não ser primordial, mas pra mim está por trás do entendimento de alguns direcionamentos do projeto. Sair do teatro e ir pra galeria é uma proposta muito clara de ação e de crítica. Por sua vez, os artistas visuais, também saem da galeria e estão indo pra rua e pro teatro (alguns...). Na história da arte sempre houve este trânsito. A galeria é o lugar onde ficam as obras de arte e aí pergunto: o que é arte? Acredito que, de alguma forma, a partir dos nossos incômodos pessoais e nossos desejos, estamos no fundo questionando o valor e a forma da arte, da comunicação artística. A galeria possui “um dentro e fora” muito claros, que podemos explorar como na condição da casa do livro (“Bestiário”, de Júlio Cortázar) e também do filme “Casa Vazia” (de Kim Ki Duk). A galeria é uma casa vazia onde são instalados sentidos? Ou o artista é que dá sentido à casa vazia, que a preenche, lhe dá vida e movimento, energia e aura?
- Assim fiquei imaginando uma interferência, um objeto, uma obra que pudéssemos conceber e habitar este espaço juntamente com vocês, relacional ou não-relacional, mas provocador. Um elefante branco (a própria instituição museu ou galeria, ou ainda arte, tida como séria, pesada, opressora de alguma forma), estaria ali, sentado, observando ou não, buscando relacionar-se. Algo que no início não tivesse sentido, mas que fosse fazendo sentido ao longo da coisa, que pudesse ao final ser habitado... Uma obra de arte. Para que ela serve? Pra nada, antes de tudo. Então, que tivéssemos um objeto-de-arte, que não servisse pra nada e pudesse também oferecer sentido pra vida que não faz mais sentido. Quais as relações com o humano que a arte poderia desenvolver, estabelecer?
- Um homem, uma mulher e um espaço. Na galeria. Eles são a obra ou ocupam o lugar como uma obra? Obra do mundo, do mistério do mundo... De que mais? Um para o outro... Que sentido fazem um para o outro? Um é a arte do outro, a obra artística do outro? Somos imagem, somos criação.
- Retomando agora os ovos e as “histórias de chocar”, me vem a mente uma incubadora. Onde o ovo é chocado? Como é este espaço? Como funciona? Espaços de gestação mecanizada, forçada, assim como a galeria pode ser. Trancados na granja, na incubadora, na galeria, em nossa própria casa vazia, dentro de nós. Lugar ideal, lugar real. A galeria, como o palco, lugar ideal. E a possibilidade de ir para a vida real, para a cidade, para as pessoas. Como a platéia está em relação a isso? Cria uma interface física, uma roda que acolhe? Está distante, passiva? Está iluminada ou apagada? É o diferente e muitas vezes representa o homem, o que não faz sentido. E a natureza é assim também. Sai da floresta e de seus habitat e vai ser recriada no laboratório. Vida?
- Alguns artistas que abordam temas e questões espaço-temporais que podem nos auxiliar e inspirar:
1. Sandra Cinto - artista de São Paulo que transita entre o universo pessoal, o desejo e a construção das formas destes desejos humanos. Assim, ela já montou salas inteiras com papéis azulados e estrelados sobrepostos dando a idéia de céu e infinito, já criou mesas,
cadeiras e camas apoiadas em livros, mas tudo de bronze, criou pontes em forma de cama entre 2 abismos. De alguma forma, pra mim, ela cria pontes, formas pessoais de comunicação, que acredito ser o início do objetivo do casal.
Estou fazendo alguns estudos mais específicos sobre o espaço moderno e contemporâneo, para oferecer idéias mais claras sobre esta ocupação na galeria. Ainda tenho questionamentos e dúvidas a respeito desta ocupação, já temos muito sentidos que apareceram, mas gostaria que todos respondessem a seguinte questão: Qual o sentido pessoal pra vocês de estar numa galeria, de instalar nesta cena/dança/performance/obra artística num espaço expositivo? Acho que devemos discutir mais os interesses sobre isso, os sentidos e qual a essência desta ação, pois ela é definidora de todo o projeto. Há performers e artistas visuais que ocuparam galerias e museus com suas obras em movimento, de ação, de happenings de acting. Aqui e pelo mundo. Aqui temos o caso célebre de hélio Oiticica no MAM Rio que chegou com o bando da mangueira pra um happening e eles foram barrados, resolvendo o problema com uma linda apresentação-manifestação no térreo, do lado de fora, perto do mar, fazendo samba e mostrando diversidade, vida. E nós, o que queremos? Questionar o teatro ou a presença como arte gera que tipo de discurso? Pra quem é oferecido? Estou esperando uma tese de uma amiga muito bacana sobre as relações das artes com o espaço e suas categorias. O espaço como suporte, o espaço como relação, o espaço como tema da intervenção... Como estamos imaginando este
espaço? Qual é a geografia que pretendemos? Conversei com Paulo sobre termos dois eixos de ocupação: um do espaço real, da galeria aonde o projeto vai estrear, suas partes, dobras,
relações interior/exterior, cantos, proporção e organograma (como funciona e qual sala dá pra que espaço) e a geografia da cena, que está ligada a este objeto-arte... (Seriam os próprios atores os objetos artísticos?). Para que assim possamos não estar preso a um desenho específico que não se repetirá em outro lugar. O que fica na memória de vocês quando falamos de uma galeria? paredes brancas? Silencio? Gente reprimida? Emoções artísticas afloradas? Choques culturais? Burguesia? Contem-nos.
- Outras notas esparsas:
- Imaginei que este dispositivo-objeto ou o que ele for deve conter em si possibilidade de produzir luz e som, ser autônomo. E, ainda, pra vocês que estão pesquisando já o corpo, acho eu, que tipo de movimento o objeto pode provocar em vocês e que tipo de movimentos podem ser desencadeado por vocês podem ser recebidos pelo objeto? Ele tem função clara de jogo? Assim, pra mim, partindo da junção de temas essenciais, como o encontro-conflito homem e mulher, casal e o espaço, imagino que podemos jogar com duas situações: A FORMALIDADE, A ASSEPSIA E O ACABAMENTO DA GALERIA (geralmente materiais nobres, limpos, frios, a luz sempre clara, as paredes) E O IMPROVISO, A GAMBIARRA, O NÃO-ACERTO, TUDO QUE NÃO É ARQUITETÔNICO NO SENTIDO DE TER UMA ORDEM CONSTRUÍDA CLARA, como é a vida. Ao final, tudo é o jogo, o confronto do humano com sua criação, do real com o ideal, do assimétrico com o simétrico, do clássico com o subversivo, da ordem com o caos, da incapacidade e aspiração da perfeição e a negação da imperfeição. Sonho e realidade. Estamos todos dormindo? Na galeria? Como a dança, o corpo, o hibridismo, podem nos conduzir a esta comunicação? O hibridismo é caminho pra onde? Pra aceitação de nossa condição múltipla e complexa? Como é exposto, evidenciado? Tô adorando estas provocações. Respondam se acharem pertinente.
- Categorias de espaços na arte: como passamos de uma situação de passividade, de frontalidade de ver um monumento até a mistura total nos circuitos das cidades. Quais são as nossas intenções de uso e ocupação do corpo e do espaço e as relações com a platéia?
- Tenho pensado muito também em “japonismos”, na ancestralidade e sua arte que é a de ser e de viver... abriu aqui no Sesc Avenida Paulista (www.sescsp.org.br) uma exposição sobre o Kazuo Ohno com figurinos, vídeos e coisas dele incríveis, emocionantes de fato, que me deslocaram, o tempo deles, a delicadeza, a individualidade, o respeito da existência... Penso na relação mítica e ancestral entre homem e mulher, para me dar chaves para a coisa... Que diálogo é este que queremos travar? Do igual, da diferença ou da possibilidade de unidade/parceria?
- Por aqui, ainda temos um mês de performances e coisas do Brasil-Japão, lá no Sesc Avenida Paulista (www.sescsp.org.br). Gosto muito deste formato, com linguagens híbridas.
IZABEL STEWART PARA EQUIPE
- Também me sinto bastante provocada com as questões que estamos nos colocando, não só de espaço como de encenação. E então surgem em mim algumas questões do tipo: o sentido de uma obra está nela ou na sua relação com o espaço? Ou nos dois? E como se dá a relação? Para mim (e digo sem estar bem certa ainda), o sentido de apresentar numa galeria reside no fato de que ela (galeria), enquanto instituição reconhecida (não espaço alternativo) confere valor a uma obra ali apresentada antes mesmo desta obra ter um valor em si (um pouco como o mictório do Marcel Duchamp. Isto me soa ao mesmo tempo ridículo e interessante, se soubermos fazer bom uso desta "premissa". A arquitetura das galerias modernas e a disposição das obras pouco romperam com o modo de organização dos museus do século XIX, melhor dizendo, as novas construções não acompanharam os movimentos mais radicais da "vanguarda" artística. Neste sentido, continuam sendo espaços de poder e de legitimidade fortíssimos, capazes de abafar qualquer tipo de movimento que tente fazer desta estrutura uma alternativa ao espaço-museu ou ao espaço-teatro. Por isso, acredito que a melhor estratégia seria não tentar torná-la o que ela não é, mas aproveitar toda sua força para nos potencializar, isto é, fazermos da encenação teatral uma obra em exposição e não da galeria uma alternativa ao espaço-teatro (ainda que, claro, existam diferenças entre os dois espaços - me lembra um pouco aquele
exercício em dupla que fizemos no último encontro, em que um aproveitava a força do outro não indo contra, mas a seu favor para compor uma imagem). Uma leitura que pode ser interessante é "Sobre as ruínas do museu", do Douglas Crimp, especialmente a última parte. Podemos também marcar uma conversa com o artista plástico e videomaker Marcelo Kraiser, que tem uma visão nada convencional sobre estas questões.
O que você vai ler abaixo são fragmentos de apenas alguns das dezenas de e-mails trocados entre integrantes da nossa equipe de criadores desde o ano passado (quando começou o projeto). É curioso perceber que o turbilhão inicial gerou várias formas, imagens, caminhos que, aos poucos, se estreitam e geram a peça que você vai ver, em breve. O que vem primeiro: a peça ou as idéias sobre ela?
Como este blog foi “chocado” depois da idéia (ou ele veio antes?), aos poucos, vamos tentar “alimentar” esta “incubadora” para que você acompanhe alguns passos do nosso percurso deste novo trabalho.
RITA CLEMENTE PARA PAULO AZEVEDO
- Teremos tempo para desenvolver um trabalho sem texto inicial? Os detalhes (já sabemos), são o mais importante e o que leva mais tempo. Não quero fazer um processo que não eleve nosso trabalho. De qualquer forma o que temos é isso: sua dramaturgia (“Resta Um” – texto inédito) e uma idéia ainda sem forma com algumas imagens que parecem muito interessantes, mas não são claras ainda. Não clara de entendimento lógico, não é isso, mas de proposição e conceito. Paulo, não podemos fugir de “conceito”.
- Ainda acho que precisamos achar o “eixo” desse processo. Tô tentando encontrar uma coisa na nossa parceria: legitimidade. Ela já existe subjetivamente. Ela existe por que o desejo de realizar é comum. Eu ainda não tô entendendo na prática. Às vezes acho que estamos sendo sofisticados demais e aí eu pensei como realizar um desejo que está se tornando uma necessidade:
- O que a gente quer?
- O que é necessário para isso acontecer com excelência que pretendemos?
- O que temos para “oferecer” das nossas experiências, da nossa capacidade etc?
- O quando é muito importante?
- O onde é muito importante?
- O “o quê” agora é muito importante?
- Fiquei pensando que se o “o quê” é muito importante e se o “o quê” é o assunto, a história. Se for apenas uma sinopse é importante apenas como ponto de partida. Se é uma obra literária com contornos muito bem estabelecidos é uma escolha importante, se é um resgate biográfico já deixa de ser obra acabada e literária... Fico aí com as perguntas pra levantar nosso diálogo e achar caminho sem obstáculos.
- Este “sol” (a passagem do Theâtre Du Soleil e seu “Os Efêmeros”, em São Paulo) que se abateu sobre nós me aqueceu muito e acho que é um bom momento de rever posições: sobre atuação, direção, relação com o público... Nem tudo ali me interessa mas aquilo que me interessa é muito urgente. Sinceramente, acho que ator tem que ter autonomia mesmo, senão não dá para ver a cena e o diretor fica assim tentando limpar a “caca” dos atores. Cansei! Como diretora acho que fiquei muito tempo me atendo ao ator e a cena fica em segundo plano, é um erro... Mas nossos atores querem uma babá, não é nem uma mãe, querem uma babá por que não conseguem fazer o básico - trocar as fraldas. Estou “exausta” (já dizia Dudude quando viu um espetáculo) de dirigir gente problemática - tenho uma lista, um caderninho cheio de atores-criança que precisam de uma babá - você escapou por pouco dessa lista porque cresceu, se superou e parou de achar que o diretor ia te dar a solução. Li o programa do Soleil (Theâtre Du Soleil) e vi que muita das coisas que se diz sobre o processo deles a gente já sabe. Quantas vezes não falo num ensaio ou nos meus cursos: “Não quero idéia, quero coisa, a cena, o concreto”. As pessoas acham que tem grandes idéias e não conseguem “andar”, mas já tem grandes idéias, isso quando não se embrulham com justificativas psicológicas... Ufa! Enfim, estou identificada com essas pessoas, com seu lindo espetáculo. A gente sabe o tanto que Ariane (Mnouchikine) penou pra poder abrir a boca e ser entendida, mas acho que não quero passar os próximos vinte anos ensinando ator a me entender. Daqui pra frente - se eu dirigir mais alguma “coisa” - quero que o ator que me ensine e eu possa com ele criar alguma coisa que vai além de sentar, levantar, correr pelo espaço. Fiquei mais respeitosa com meu trabalho depois que vi esse - que continua “girando” na minha cabeça. Ele me fez pensar no meu trajeto. Pensar que eu fiz um caminho digno e brilhante na minha carreira e que agora eu quero revertê-lo a meu favor. Fiquei refletindo no porque de “quase todo mundo” querer ser ator: isso me inquieta. Não acho que eu tenho mais direito de ser atriz do que outra pessoa, mas porque tanta insistência? Não quero ser mais uma insistente...
Tudo isso é pra te dizer que qualquer imersão como ator tem que ser profunda, senão a gente fica só fazendo mais uma pecinha pros coleguinhas de trabalho. Não quero isso. Chega por hoje.
- Suas inquietações não são bobagens são perguntas muito importantes que vão tornando a coisa real. Pergunte sempre e pergunte o que quiser, mesmo. Olha, tô com a vontade de fazer um trabalho junto. Penso sempre que tem duas coisas diferentes: parceria e trabalho pessoal. Acho que o pessoal é pessoal mesmo e ainda não tenho condições de envolver outras pessoas nele - acho que ele amadurece com minhas parcerias e reverbera nas parcerias. O meu interesse, nesse momento, é trocar. Tem uma solidão no trabalho “pessoal” que também precisa de trégua. Mas para a parceria a gente precisa de um norte inicial que deve ser o texto, conto, dramaturgo, diretor, algo além de nós. Acho que esse projeto é pra gente ter um espaço para ser ator mesmo criando juntos. Penso que a criação - concepção mais autoral - é uma coisa natural no ator de hoje, mas que se a gente se encaixar com um diretor e ele propor coisas da autoria dele, nos jogamos na idéia e pronto, sem discussão. De qualquer maneira quero experimentar mais a cena sem ter que pensar como se estivesse do lado de fora, é um desejo muito forte. O meu objetivo é trabalhar com alguém em quem confio, admiro, tenho amizade; com um diretor, diretor de cena, orientador ou sei lá o quê - um cara de fora - e com uma equipe pequena pra gente poder ter um retorno digno e mostrar nosso trabalho da melhor maneira possível (estrutura de trabalho, conteúdo e conceito que sejam do nosso interesse).
Eu vejo assim: tá “na boa hora” pra isso porque a gente já tem ciência das nossas necessidades, de alguns desejos, das qualidades que a gente quer trabalhar, das limitações ou coisas que não são nossa praia... E tá faltando a gente se dar aquela oportunidade... Hora de a gente ser bom com a gente. Não me incomodo em lidar com produção de uma maneira geral, mas acho que podemos tentar um caminho de cuidar bem do ator e cercá-lo o máximo - isso não é luxo; é necessidade.
Algumas coisas, nessa área eu tenho dificuldade real, me sinto numa camisa de força, mas se me ensinarem direitinho, pra eu não errar, sai. Acho também que com dois atores isso é possível: o diálogo é mais claro, mais rápido, sem picuinha, sem curvas. Dois pontos só podem fazer uma reta.
Quero sua opinião, se não for por aí, não tem problema, o que me instiga mais é o trabalho, fazer a peça, ter um coleguinha para trocar; rumar pra frente. Outro dia fiquei até pensando num diretor de cinema... Ou chamar aquela preparadora de atores de cinema (Fátima Toledo) pra fazer uma preparação pra gente - tudo para aproximar, conectar - e ter uma experiência com essa preparação dela que lida com as emoções. Não é isso? Tô jogando as sementinhas que você tanto gosta. Pode me escrever e-mails longos, eu gosto. Sei que você já não é assim tão afeito a contatos virtuais, mas eu acho que funciona para o momento.
- Sobre as proposições cenográfica, acho distante, quero dizer, quando penso cenário penso mesmo ele em mim e num contexto. Minhas relações sensoriais é que me guiam como atriz, fico com medo de ficar de fora demais, não gostaria de fazer um trabalho “conceitual”, um conceito sobre espaço apenas, mesmo que o conceito exista, tem que ter uma figura viva ali. È que a questão da atuação já é tão grandiosa, vasta, repleta de subterfúgios, lugares por visitar...Nós somos pobres, quero dizer, país pobre, mal conseguimos pagar atores, diretores, mas, é claro, a peça não pode cair nesse lugar: falsa simplicidade; falta de recurso. Mas qual é o recurso? Falta de criatividade inclusive, mas ainda não tive uma experiência digna com cenários, com proposições visuais, cenográficas. De qualquer maneira, é fundamental experimentar alguma coisa relacionada ao espaço que sirva de estímulo à criação e que possa abrir caminhos para uma relação renovada com o espaço ou o contexto. Sim, porque a coisa simplória também não me agrada. Mas eu sempre penso nessas horas: um concerto não tem cenário e não é simplório. É simplório o grande pianista tocando? Só ele e o piano? É simplória a exposição de desenhos de Picasso ou a escultura inacabada de outro fulano? Adoro a idéia de um dia ser uma atriz-concertista. Essa é a minha maior vontade. Por isso o “Dias Felizes” (espetáculo concebido, dirigido e interpretado por Rita Clemente – clássico de Samuel Beckett) é um concerto porque é um ator diante do texto como elemento a ser interpretado naquele momento e a cena é somente isso, quando funcionar vai ser ótimo (risos)! Mas veja: se a idéia do "espaço vazio" não pode ser cercada e nem lhe parece atraente, como inserir um elemento cenográfico neste espaço? O que pode nortear essa escolha? Acho que se for algo assim cheio de significado ele vai induzir a um “conceitualismo”? Penso que este estimulo conceitual pode servir pra uma cena curta, mas para um trabalho de 60 minutos, desconfio. Mas se ele surgiu, já há um contexto? Por que pensamos caixa de terra? Por causa da natureza? Por que pensamos tela? Parece moderno? Dá abertura pra criar? Mas teremos o material? Quanto tempo temos? “E agora”?, como diz a Winnie (personagem da obra “Dias Felizes”). Começamos com um roteiro de imagens? Quais são? Somos nossos diretores. Então, a proliferação de elementos externos me dá medo, mas sou uma pessoa corajosa. Acho que agora tá na hora de colocar a mão na massa. Que pensas?
RENATO BOLELLI PARA EQUIPE
“... Pensei sobre a atmosfera que a música sugere (Coco & Rosie), a provocação que ela faz na nossa cabeça. Acho que tem a ver com a idéia do conto que não li (A Casa Tomada, de Júlio Cortazar), mas pelo que me disse, a possibilidade de criar uma situação de desconforto que é nosso desconforto diante de nós, de nossa condição e de nossa inércia para transformá-la. o humano enclausurado e vitimizado pelo próprio humano, nossa falta de sentido aparente, pois, estamos perdidos e distantes da ritualização da vida. No fundo, quando estamos falando de forma e suas conseqüências. Estamos falando de identidade. O que te move como imagem? O que te seduz ou te faz pensar ou ainda agir?
Neste sentido, a música ajuda a construir uma geografia que pode ser sugerida pelo espaço também, como aquelas interferências de som nos sugerem paisagens, declives e aclives, curvas, depressões. O espaço de suspense e o espaço de suspensão. Daí me vem a idéia de indícios, pistas, rastros, "mistério" e as conseqüentes relações desenvolvidas a partir da locação desta situação numa galeria.
- O que é uma galeria? Para que serve? Esta discussão pode não ser primordial, mas pra mim está por trás do entendimento de alguns direcionamentos do projeto. Sair do teatro e ir pra galeria é uma proposta muito clara de ação e de crítica. Por sua vez, os artistas visuais, também saem da galeria e estão indo pra rua e pro teatro (alguns...). Na história da arte sempre houve este trânsito. A galeria é o lugar onde ficam as obras de arte e aí pergunto: o que é arte? Acredito que, de alguma forma, a partir dos nossos incômodos pessoais e nossos desejos, estamos no fundo questionando o valor e a forma da arte, da comunicação artística. A galeria possui “um dentro e fora” muito claros, que podemos explorar como na condição da casa do livro (“Bestiário”, de Júlio Cortázar) e também do filme “Casa Vazia” (de Kim Ki Duk). A galeria é uma casa vazia onde são instalados sentidos? Ou o artista é que dá sentido à casa vazia, que a preenche, lhe dá vida e movimento, energia e aura?
- Assim fiquei imaginando uma interferência, um objeto, uma obra que pudéssemos conceber e habitar este espaço juntamente com vocês, relacional ou não-relacional, mas provocador. Um elefante branco (a própria instituição museu ou galeria, ou ainda arte, tida como séria, pesada, opressora de alguma forma), estaria ali, sentado, observando ou não, buscando relacionar-se. Algo que no início não tivesse sentido, mas que fosse fazendo sentido ao longo da coisa, que pudesse ao final ser habitado... Uma obra de arte. Para que ela serve? Pra nada, antes de tudo. Então, que tivéssemos um objeto-de-arte, que não servisse pra nada e pudesse também oferecer sentido pra vida que não faz mais sentido. Quais as relações com o humano que a arte poderia desenvolver, estabelecer?
- Um homem, uma mulher e um espaço. Na galeria. Eles são a obra ou ocupam o lugar como uma obra? Obra do mundo, do mistério do mundo... De que mais? Um para o outro... Que sentido fazem um para o outro? Um é a arte do outro, a obra artística do outro? Somos imagem, somos criação.
- Retomando agora os ovos e as “histórias de chocar”, me vem a mente uma incubadora. Onde o ovo é chocado? Como é este espaço? Como funciona? Espaços de gestação mecanizada, forçada, assim como a galeria pode ser. Trancados na granja, na incubadora, na galeria, em nossa própria casa vazia, dentro de nós. Lugar ideal, lugar real. A galeria, como o palco, lugar ideal. E a possibilidade de ir para a vida real, para a cidade, para as pessoas. Como a platéia está em relação a isso? Cria uma interface física, uma roda que acolhe? Está distante, passiva? Está iluminada ou apagada? É o diferente e muitas vezes representa o homem, o que não faz sentido. E a natureza é assim também. Sai da floresta e de seus habitat e vai ser recriada no laboratório. Vida?
- Alguns artistas que abordam temas e questões espaço-temporais que podem nos auxiliar e inspirar:
1. Sandra Cinto - artista de São Paulo que transita entre o universo pessoal, o desejo e a construção das formas destes desejos humanos. Assim, ela já montou salas inteiras com papéis azulados e estrelados sobrepostos dando a idéia de céu e infinito, já criou mesas,
cadeiras e camas apoiadas em livros, mas tudo de bronze, criou pontes em forma de cama entre 2 abismos. De alguma forma, pra mim, ela cria pontes, formas pessoais de comunicação, que acredito ser o início do objetivo do casal.
Estou fazendo alguns estudos mais específicos sobre o espaço moderno e contemporâneo, para oferecer idéias mais claras sobre esta ocupação na galeria. Ainda tenho questionamentos e dúvidas a respeito desta ocupação, já temos muito sentidos que apareceram, mas gostaria que todos respondessem a seguinte questão: Qual o sentido pessoal pra vocês de estar numa galeria, de instalar nesta cena/dança/performance/obra artística num espaço expositivo? Acho que devemos discutir mais os interesses sobre isso, os sentidos e qual a essência desta ação, pois ela é definidora de todo o projeto. Há performers e artistas visuais que ocuparam galerias e museus com suas obras em movimento, de ação, de happenings de acting. Aqui e pelo mundo. Aqui temos o caso célebre de hélio Oiticica no MAM Rio que chegou com o bando da mangueira pra um happening e eles foram barrados, resolvendo o problema com uma linda apresentação-manifestação no térreo, do lado de fora, perto do mar, fazendo samba e mostrando diversidade, vida. E nós, o que queremos? Questionar o teatro ou a presença como arte gera que tipo de discurso? Pra quem é oferecido? Estou esperando uma tese de uma amiga muito bacana sobre as relações das artes com o espaço e suas categorias. O espaço como suporte, o espaço como relação, o espaço como tema da intervenção... Como estamos imaginando este
espaço? Qual é a geografia que pretendemos? Conversei com Paulo sobre termos dois eixos de ocupação: um do espaço real, da galeria aonde o projeto vai estrear, suas partes, dobras,
relações interior/exterior, cantos, proporção e organograma (como funciona e qual sala dá pra que espaço) e a geografia da cena, que está ligada a este objeto-arte... (Seriam os próprios atores os objetos artísticos?). Para que assim possamos não estar preso a um desenho específico que não se repetirá em outro lugar. O que fica na memória de vocês quando falamos de uma galeria? paredes brancas? Silencio? Gente reprimida? Emoções artísticas afloradas? Choques culturais? Burguesia? Contem-nos.
- Outras notas esparsas:
- Imaginei que este dispositivo-objeto ou o que ele for deve conter em si possibilidade de produzir luz e som, ser autônomo. E, ainda, pra vocês que estão pesquisando já o corpo, acho eu, que tipo de movimento o objeto pode provocar em vocês e que tipo de movimentos podem ser desencadeado por vocês podem ser recebidos pelo objeto? Ele tem função clara de jogo? Assim, pra mim, partindo da junção de temas essenciais, como o encontro-conflito homem e mulher, casal e o espaço, imagino que podemos jogar com duas situações: A FORMALIDADE, A ASSEPSIA E O ACABAMENTO DA GALERIA (geralmente materiais nobres, limpos, frios, a luz sempre clara, as paredes) E O IMPROVISO, A GAMBIARRA, O NÃO-ACERTO, TUDO QUE NÃO É ARQUITETÔNICO NO SENTIDO DE TER UMA ORDEM CONSTRUÍDA CLARA, como é a vida. Ao final, tudo é o jogo, o confronto do humano com sua criação, do real com o ideal, do assimétrico com o simétrico, do clássico com o subversivo, da ordem com o caos, da incapacidade e aspiração da perfeição e a negação da imperfeição. Sonho e realidade. Estamos todos dormindo? Na galeria? Como a dança, o corpo, o hibridismo, podem nos conduzir a esta comunicação? O hibridismo é caminho pra onde? Pra aceitação de nossa condição múltipla e complexa? Como é exposto, evidenciado? Tô adorando estas provocações. Respondam se acharem pertinente.
- Categorias de espaços na arte: como passamos de uma situação de passividade, de frontalidade de ver um monumento até a mistura total nos circuitos das cidades. Quais são as nossas intenções de uso e ocupação do corpo e do espaço e as relações com a platéia?
- Tenho pensado muito também em “japonismos”, na ancestralidade e sua arte que é a de ser e de viver... abriu aqui no Sesc Avenida Paulista (www.sescsp.org.br) uma exposição sobre o Kazuo Ohno com figurinos, vídeos e coisas dele incríveis, emocionantes de fato, que me deslocaram, o tempo deles, a delicadeza, a individualidade, o respeito da existência... Penso na relação mítica e ancestral entre homem e mulher, para me dar chaves para a coisa... Que diálogo é este que queremos travar? Do igual, da diferença ou da possibilidade de unidade/parceria?
- Por aqui, ainda temos um mês de performances e coisas do Brasil-Japão, lá no Sesc Avenida Paulista (www.sescsp.org.br). Gosto muito deste formato, com linguagens híbridas.
IZABEL STEWART PARA EQUIPE
- Também me sinto bastante provocada com as questões que estamos nos colocando, não só de espaço como de encenação. E então surgem em mim algumas questões do tipo: o sentido de uma obra está nela ou na sua relação com o espaço? Ou nos dois? E como se dá a relação? Para mim (e digo sem estar bem certa ainda), o sentido de apresentar numa galeria reside no fato de que ela (galeria), enquanto instituição reconhecida (não espaço alternativo) confere valor a uma obra ali apresentada antes mesmo desta obra ter um valor em si (um pouco como o mictório do Marcel Duchamp. Isto me soa ao mesmo tempo ridículo e interessante, se soubermos fazer bom uso desta "premissa". A arquitetura das galerias modernas e a disposição das obras pouco romperam com o modo de organização dos museus do século XIX, melhor dizendo, as novas construções não acompanharam os movimentos mais radicais da "vanguarda" artística. Neste sentido, continuam sendo espaços de poder e de legitimidade fortíssimos, capazes de abafar qualquer tipo de movimento que tente fazer desta estrutura uma alternativa ao espaço-museu ou ao espaço-teatro. Por isso, acredito que a melhor estratégia seria não tentar torná-la o que ela não é, mas aproveitar toda sua força para nos potencializar, isto é, fazermos da encenação teatral uma obra em exposição e não da galeria uma alternativa ao espaço-teatro (ainda que, claro, existam diferenças entre os dois espaços - me lembra um pouco aquele
exercício em dupla que fizemos no último encontro, em que um aproveitava a força do outro não indo contra, mas a seu favor para compor uma imagem). Uma leitura que pode ser interessante é "Sobre as ruínas do museu", do Douglas Crimp, especialmente a última parte. Podemos também marcar uma conversa com o artista plástico e videomaker Marcelo Kraiser, que tem uma visão nada convencional sobre estas questões.
Qual é o sentido é mais apropriado para você da palavra “chocar”?
Qual é o sentido é mais apropriado para você da palavra “chocar”?
a) Produzir choque, ir de encontro a; colidir; Esbarrar reciprocamente; Bater de encontro;
b) Desagradar a; ferir, ofender;
c) Estar no choco; incubar. Fazer desenvolver o germe de ovos, cobrindo-os e aquecendo-os com o corpo (falando de aves);
d) Premeditar ou preparar secretamente;
e) Acariciar com os olhos; namorar. Contemplar com desejo ou inveja.
f) Nenhuma das acima citadas. Se marcou esta, então, qual é o sentido desta palavra pra você?
“Histórias de Chocar” fala de relações que “pisam em ovos”. Fala de coisas frágeis, finas como algumas cascas que machucam, quebram com facilidade. De superfícies em que um homem e uma mulher vivem em uma realidade banal, em que as palavras não expressam o real desejo dos personagens. Onde o que é dito nunca Por incapacidade de relacionar com o outro, medo ou falta de palavras. “Pode-se criar problemas com as palavras”, diz Alain de Botton no ensaio-romance “Ensaios de Amor”, obra que inspirou livremente o roteiro do espetáculo. Vidas que, nos sonhos, são mais intensas e verdadeiras por não dar tanto crédito aos limites e pensam no improvável como uma possibilidade.
Júlio sonha que um dia possa ter Irene junto dele novamente.
Um sonho sem saída para Irene. Aos poucos, para ele também.
Mas mesmo nos sonhos, a vida nem sempre acontece como se espera.
“Histórias de Chocar” fala de vidas feitas de pequenas histórias. Sem heróis ou mocinhas ou grandes acontecimentos. Coisas simples que passam desapercebidas na rotina: uma tentativa de dizer que ama; uma dor de cabeça; um ovo que não se espalha na torrada; pequenas gentilezas; um sapato que parece um pelicano; um ferimento sem razão; a falta de uma geléia. O escandaloso, o impactante, o horrorizante sob um outro ponto de vista.
a) Produzir choque, ir de encontro a; colidir; Esbarrar reciprocamente; Bater de encontro;
b) Desagradar a; ferir, ofender;
c) Estar no choco; incubar. Fazer desenvolver o germe de ovos, cobrindo-os e aquecendo-os com o corpo (falando de aves);
d) Premeditar ou preparar secretamente;
e) Acariciar com os olhos; namorar. Contemplar com desejo ou inveja.
f) Nenhuma das acima citadas. Se marcou esta, então, qual é o sentido desta palavra pra você?
“Histórias de Chocar” fala de relações que “pisam em ovos”. Fala de coisas frágeis, finas como algumas cascas que machucam, quebram com facilidade. De superfícies em que um homem e uma mulher vivem em uma realidade banal, em que as palavras não expressam o real desejo dos personagens. Onde o que é dito nunca Por incapacidade de relacionar com o outro, medo ou falta de palavras. “Pode-se criar problemas com as palavras”, diz Alain de Botton no ensaio-romance “Ensaios de Amor”, obra que inspirou livremente o roteiro do espetáculo. Vidas que, nos sonhos, são mais intensas e verdadeiras por não dar tanto crédito aos limites e pensam no improvável como uma possibilidade.
Júlio sonha que um dia possa ter Irene junto dele novamente.
Um sonho sem saída para Irene. Aos poucos, para ele também.
Mas mesmo nos sonhos, a vida nem sempre acontece como se espera.
“Histórias de Chocar” fala de vidas feitas de pequenas histórias. Sem heróis ou mocinhas ou grandes acontecimentos. Coisas simples que passam desapercebidas na rotina: uma tentativa de dizer que ama; uma dor de cabeça; um ovo que não se espalha na torrada; pequenas gentilezas; um sapato que parece um pelicano; um ferimento sem razão; a falta de uma geléia. O escandaloso, o impactante, o horrorizante sob um outro ponto de vista.
Assinar:
Comentários (Atom)
Colaboradores
ESTRÉIA
5 de agosto, às 20h, no Teatro Alterosa
Únicas apresentações: 12,19 e 26 de agosto, todas Terças-feiras do mês, sempre às 20 horas.
Info: 3237-6611
Únicas apresentações: 12,19 e 26 de agosto, todas Terças-feiras do mês, sempre às 20 horas.
Info: 3237-6611
ensaio
ensaio
